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quarta-feira, 3 de junho de 2015

Actores Democráticos

Definir os actores democráticos é simples e óbvio, são os cidadãos. Porém, a partir daqui tudo fica confuso.

Na antiga Democracia grega os cidadãos eram as pessoas que dialogavam, trocavam ideias e faziam escolhas individuais decidindo o que fazer colectivamente. Depois, encontrar a origem e responsabilidade das acções era possível e viável. 

Hoje não é assim. Tudo está "undercover" e enevoado por esconderijos em camadas. Os cidadãos concordam e protestam, numa doença chamada "paralisia de vítima e cúmplice", onde aceitam e sofrem acções que não querem mas permitem.
Ouvem-se queixas:

- A Câmara Municipal cortou-me a água.
- A EDP desligou-me a electricidade.
- A Escola expulsou o meu filho.
- O Banco não me deu o empréstimo.

Nunca vi, nem li na ficção cientifica, uma Câmara Municipal,  Empresas, Escolas, Bancos ou Ministérios a tomar decisões. Edifícios, escrituras e instituições não tomam decisões, pois são sempre pessoas, um Manuel, uma Maria, um António que lá dentro o fazem a coberto dessa máscara. 
Há sempre um cidadão que, pessoalmente, decide fazer, mesmo que seja apenas a decisão de obedecer a outrem ou ao legislado, por sua vez, feito por cidadãos que o escreveram e aplicaram.
Bem ou mal, Nuremberga baseou-se neste principio:


Numa palavra, é sempre possível encontrar a responsabilidade das acções pertencentes aos cidadãos responsáveis. O dilema, o grande bug da actual Democracia é isto ser possível mas, ao mesmo tempo, tornado improvável:

Inquérito da Assembleia da República a Eng. Zeinal Bava

O Bug não está na situação de arresponsabilidade em que um cidadão se refugia. Ele está na falta de consequências democráticas para esse facto, de modo a evitar a sua repetição no futuro.

A fragilidade democrática não se expressa no que acontece, expressa-se no que se faz ao que acontece. A regra é simples: "Se democraticamente está errado, então NÃO PODE ACONTECER OUTRA VEZ", ou seja, a Democracia tem que tomar posição. Se isso não acontece, então, há um bug Democrático, uma impunidade permissiva.

Numa agressão policial não-democrática a lógica é a mesma:


Guimarães, Maio 2015

Se a agressão foram actos incorrectos por parte de um cidadão-Polícia, a Democracia é a responsável para que isso "NÃO ACONTEÇA OUTRA VEZ". 

A Democracia tem que garantir aos cidadãos que torna inviável a sua repetição futura pois, se nada for alterado tudo se irá repetir. 
O Bug Democrático é a inexistência de garantias para o futuro, ou seja, é fundamental saber [...se, no futuro, os cidadãos desta Democracia podem levar os filhos e os avós ao futebol sem risco de agressões policiais].

O acto do cidadão-polícia é uma questão de Tribunal, os actos para evitar este problema no futuro é uma questão de Democracia.

Os Bugs democráticos não estão nos problemas que existem (fraudes bancárias, corrupção, negócios ilícitos, indignidades, etc,) estão na possibilidade de eles continuarem a existir por actos de cidadãos pertencentes à Democracia.

A razão deste Bug é simples.
Uma Democracia é um conjunto integrado de comunidade e organização. Extremando posições, se só existe comunidade sem organização surge o modelo de sociedade tipo “horda”. Como exemplo, uma multidão em fuga.

No outro extremo, se existe uma organização sem comunidade, encontra-se o modelo de sociedade “marionette”. Como exemplo, numa marcha militar os seus elementos não precisam de ser comunidade, só precisam cumprir os padrões de comportamento exigidos. Modelo preferencial das ditaduras.

As oligarquias de eleitos vivem entre os dois extremos, oscilando entre ser uma comunidade e ser um conjunto de "marionettes". Isto é, os cidadãos serão comunidade para votar os eleitos e serão marionettes para, no seu intervalo, lhes obedecerem.

Isto significa que, no actual sistema democrático, em cada cidadão há dois cidadãos distintos.

No ciclo de 4 anos (1460 dias), esta esquizofrenia existe quando um deles, o decisor democrático, existe apenas em 1% do tempo, na época das campanhas eleitorais.
O seu reverso, o obediente democrático, existe em 99% desses 4 anos, como um político fora de circulação.

Esta esquizofrenia democrática tem vindo a agudizar-se nos últimos anos e a Europa tem sido um palco muito claro dos seus sintomas. Os cidadãos europeus (a sociedade civil??) têm reagido de formas diversas contra esta situação de abulia política, existente em 99% do seu tempo de "pessoa política", recusando ser cidadãos de 2ª classe. O Bug é sério.

Segundo o sociólogo Manuel Castells, a Europa do Norte em resposta a esta esquizofrenia política potencia correntes de direita e a Europa do Sul encaminha-se para correntes de esquerda. 

O problema parece ser o mesmo, todavia, as duas soluções passam ao lado da causa pois não tocam no cerne da questão, isto é, os 99% do tempo em que o cidadão deixa de ser pessoa política e passa a ser apenas gentinha política até chegar a nova época de caça ao voto nas coutadas dos outros, pois nas suas a obediência partidária funciona... em princípio.



Porém, ao fundo deste túnel do nevoeiro democrático surge uma luz de esperança. Chama-se Redes Sociais.



Nos final do Séc XX a tecnologia trouxe a Internet e com ela a livre comunicação cidadão-cidadão, uma espécie da Ágora de Atenas e da Pnyx da democracia grega, o espaço em que os cidadãos dialogavam entre si, enriquecendo as suas decisões individuais. 

Simplesmente agora, esse diálogo existe nas Redes Sociais no cyberespaço.




A mudança é simples de definir e talvez fácil de acontecer. A votação deixa de ser o essencial e o diálogo político passa a ser o fundamental. A tecnologia vai tornar a mudança viável.



As Redes Sociais reintroduzem o cidadão como dialogante, sem partidos a partidarizar as questões e sem organizações por "crenças políticas" a fragmentar a comunidade.
Não há lideres, há apenas opiniões que se trocam e se aceitam, ou recusam, apenas pelo que valem para quem as pensa. 



As Redes Sociais são o mundo das opiniões, elas não são o futuro... elas já são o presente, vide a sua participação no caso da festa do Benfica, em 17 Maio e nos dias seguintes. Não foram os massmedia a criar opinião, foram as Redes Sociais a estruturar opinião, os massmedia participaram e as Instituições foram obrigadas a "acompanhar".

Os cidadãos agiram politicamente apesar de ser o seu período de 99% de defeso politico.

Porém, o fluir do diálogo no cyberespaço ainda tem vida curta, são relâmpagos que afectam e se apagam. Dias depois, a calmaria do abulismo político regressa. O choque do problema passou e o problema do futuro AINDA não fica como problema a perturbar o sossego dos 99% da fase "marionette".

Todavia, segundo os teóricos das Redes Sociais já se está a entrar na 2ª fase desta evolução democrática pois já existem casos em que o cyberespaço se uniu ao espaço público.
Nestes casos, o cair no esquecimento, ou seja, o regressar ao abulismo politico já não acontece com facilidade. As oligarquias de eleitos têm que começar a considerar este novo Actor democrático, a par dos tradicionais partidos e lobbies.

Como exemplo, o Movimento Occupy, em 15 Out 2011 englobou milhares de cidadãos em 951 cidades de 82 países, focalizando-se na justiça social e democracia verdadeira. Organizado sem partidos nem lideres só existiu mediante Redes Sociais e assembleias locais.


Na verdade, a comunicação nas Redes Sociais é diferente da comunicação nos lobbies do massmédia.

Nestes a regra é a de "um a muitos" e este "UM" controla o que dizer e como dizer mas, por sua vez, é também controlável. O seu factor dominante é a sua credibilidade no seu mercado, o  "ser de confiança" é a sua garantia. Serem de esquerda ou de direita, intelectuais ou populares, institucionais ou não, definem as fronteiras das suas adesões.

Segundo alguns autores existe uma certa preguiça mental em fazer validações pois se a origem é considerada credível então é verdade. Conhecida a opinião, ela é "automaticamente" verdadeira e defendida como tal. Esta forma de estar é o sustentáculo do abulismo político, sustenta-o e alimenta-se dele..

As Redes Sociais funcionam de modo diferente.

Nas Redes Sociais a comunicação é de "muitos a muitos", não há controlo nem lideres, quem lê tem que pensar o que significa e se é de confiar. A preguiça mental é fonte de balbúrdia mental, portanto aqui, não basta aceitar é preciso pensar e decidir o que faz. O diálogo torna-se mais importante que a decisão ou votação, ele é a base da validação, ou não, do que é afirmado. Os "q'ridos lideres" têm os dias contados.

Nas redes sociais não há credibilidade à priori, elas exigem um constante "o que penso disto?". O abúlico mental é uma espécie em extinção e, se ele desaparece, os 99% de abulismo político também têm que desaparecer.

Esta alteração parece já existir na sociedade portuguesa.
Segundo um estudo encomendado pela Presidência da República:




Talvez, a verdade seja que os jovens não querem saber DESTA política e DESTES partidos pois eles afastam-se disso e aproximam-se das Redes Sociais, por sua vez combatidas por alguns "intelectuais clássicos". Esta fractura é um sintoma deste bug.


Talvez a pergunta a fazer seja: -"De que é que eles nos estão a avisar?"

Talvez o julgamento apressado de que os jovens estão errados seja apenas uma desculpa para nós próprios (os adultos) termos por estarmos a construir este futuro para lhes deixarmos. Como diz um ditado antigo [... com as asneiras dos pais os filhos é que sofrem.]
Talvez os jovens não estejam errados, talvez sejam apenas lúcidos.


Continuação...

... a Democracia depende directamente da sociedade em que se insere, elas são inseparáveis. Assim, como continuação ter-se-á 0 5º post,... E a Sociedade?


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Indice do Blog
(com links para os posts já publicados)

No princípio era o caos

A viragem da civilização 
Fugindo da estupidez organizacional
A evolução aos "éssses 

Temporada 2 - Soluções?
Não guiar pelo espelho retrovisor

Morreu o consensus, viva o dissensus

A técnica do Jazz e o dissensus
E assim, co-labora ou morre

E por fim, a democracia da cumplicidade 
Aqui no futuro?

O 1º sonho

Video resumo: Nova Democracia
O 1º sonho

Video resumo: Nova Democracia







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