Enquadramento
Um indivíduo isolado não faz democracia. A Democracia exige indivíduos com conexões entre si no formato "todos a todos", isto é, que constituam um grupo. O aumento de indivíduos por grupo aumenta exponencialmente a complexidade das relações possíveis.
Quantidade de pessoas e relações no grupo |
A Democracia política abrange grupos de milhares e milhões de indivíduos comunicando entre si, portanto a sua qualidade depende directamente do valor da sua estrutura comunicativa e esta depende directamente da época, da sociedade em que existe e dos instrumentos comunicativos disponíveis.
Assim, funcionarão hoje os modelos de Democracia de épocas passadas? Três perguntas-respostas:
√ Há alternativas?;
√ Há efeitos perversos?;
√ É rentável?
Assim, funcionarão hoje os modelos de Democracia de épocas passadas? Três perguntas-respostas:
√ Há alternativas?;
√ Há efeitos perversos?;
√ É rentável?
B - Há efeitos perversos?
O Biólogo Garrett Hardin relata uma situação em que os membros de um grupo têm incentivos para estragar-delapidar os bens comuns em proveito pessoal, a que chama a "Tragédia dos Comuns":
Imagine-se um grupo de agricultores cada um com um rebanho de ovelhas e um pasto de propriedade colectiva para as alimentar. Para evitar delapidar o pasto, alternativa em que todos perdem, por comum acordo definem e aceitam a regra de cada um ter só "X" horas/dia de pastoreio por local disponível.
Como as ovelhas são vendidas no mercado, estão sujeitos ao preço de compra por quilo que é mais elevado para as mais gordas.
Assim, o compromisso assumido de limitar o pastoreio limita também o número de ovelhas por rebanho e a sua engorda, limitando o lucro possível.
Assim, o compromisso assumido de limitar o pastoreio limita também o número de ovelhas por rebanho e a sua engorda, limitando o lucro possível.
Perante o dilema cada agricultor tem duas escolhas:
√ cumprir o acordo, protegendo o bem comum; ou
√ fugir ao acordo, protegendo o bem individual.
A escolha de potenciar o bem individual parece simples e imediata. É do tipo "sou só eu entre todos" a não cumprir rigorosamente o acordo feito e provocando "ligeiros prejuízos" aos outros. Moralmente a "maldade" não é grande e, economicamente, o prejuízo é desprezável para cada um e significativo o próprio.
Porém, no plano grupal provoca-se uma ruptura importante na identidade, pois a credibilidade e a confiança da teia grupal desaparece e é percorrida pelo vírus "se ele faz, porque é que EU não faço??". E assim, gradualmente, mais indivíduos vão fazendo o mesmo, deteriorando-se o grupo.
Passado algum tempo, surge a crise com o pasto parcialmente deteriorado e, cada vez mais, menos recuperado o vigor. O conflito espreita. Que fazer?
Se nada se faz, o vírus modifica-se e passa a ser do tipo "se ele não cumpre EU também não cumpro!". A crise torna-se galopante, a fraude aos compromissos passa a ser regra, a degradação instala-se em direcção à morte rápida. O resultado é óbvio, há agricultores-predadores que estão ricos com dinheiro e sem ovelhas, a par de agricultores-cumpridores que estão pobres sem dinheiro e sem ovelhas.
Com este processo nasceu uma nova identidade grupal, os predadores do comum que vivem clandestinamente e se espalham, inserindo-se noutros grupos, repetindo o processo. A epidemia alastra, a sociedade fica cancerosa.
Para intervir neste processo, há duas as soluções tradicionais adoptadas. Uma é privatização do pasto, a outra é a penalização dos predadores.
Porém, estas duas soluções são paradoxais pois criam efeitos colaterais perversos do tipo "pior a emenda que o soneto". Na verdade, na situação descrita, há duas entidades em jogo, os indivíduos predadores e o grupo, e não convém confundi-los nem esquecê-los nas soluções a adoptar.
Para efeitos de diagnóstico, há uma regra para perceber se a causa é individual ou grupal. Exemplo:
Para efeitos de diagnóstico, há uma regra para perceber se a causa é individual ou grupal. Exemplo:
Numa organização com 1% de absentismo, a causa do problema pode ser individual mas, se houver 50% de absentismo a causa será organizacional. Ou seja, o aumento quantitativo de um fenómeno muda qualitativamente a sua causa que passa de individual a grupal. A lógica grupal diz que quando existe uma grande quantidade de indivíduos com o mesmo comportamento, ele deve ser causado por resposta a estimulações contextuais, a chamada Lei da Situação (ver à frente).
Assim, convém analisar as soluções tradicionais da "Tragédia dos Comuns" nesta perspectiva.
A privatização do pasto não resolve o problema, apenas vai destruir o grupo que o tem. Na verdade, se o objecto comum desaparece, desaparecem as decisões colectivas sobre ele, assim como as acções grupais correspondentes, pelo que o grupo se dilui por desnecessário.
Quando esta solução é adoptada em certos grupos (ex. gangs de rua, USA) pode acontecer que o mesmo problema vá reaparecer algures com o mesmo grupo ou com vários dele renascidos. O problema não desapareceu apenas se multiplicou.
Por outro lado, a penalização do predador vai enfraquecer a teia grupal pois desvaloriza-a como válida para compromissos de confiança. Este aspecto torna-se claro se se perguntar "depois da coerção, o predador continua ou não membro do grupo?".
Se a resposta for "sim", o grupo fica com teias de compromisso e confiança inseguras e é um grupo doente, não válido. Se é "não", a pertença ao grupo não é de confiança ficando com sub-grupos sem credibilidade mútua, vivendo de compromissos e promessas sem valor. O clima é de insegurança , do tipo "quem é o próximo?" e "o que irá acontecer?".
Se a resposta for "sim", o grupo fica com teias de compromisso e confiança inseguras e é um grupo doente, não válido. Se é "não", a pertença ao grupo não é de confiança ficando com sub-grupos sem credibilidade mútua, vivendo de compromissos e promessas sem valor. O clima é de insegurança , do tipo "quem é o próximo?" e "o que irá acontecer?".
Este problema é bem analisado nos estudos sociológicos sobre gangs de rua nos USA, onde o abandono do compromisso, ou do próprio gang, é um dos problemas mais sérios e conturbados da sua gestão interna, pelos efeitos colaterais de perda de cumplicidade e lutas internas.
Na política sucede o mesmo pois, a par das visões e soluções económicas, é fundamental ver possíveis consequências por ruptura das teias grupais e destruição do conjunto. Quando a solução é de expulsão, a chamada "união resultante" é apenas compressão grupal por asilamento, cheio de fracturas internas. A solução tem assim que conciliar a visão económica com a visão grupal.
Na política sucede o mesmo pois, a par das visões e soluções económicas, é fundamental ver possíveis consequências por ruptura das teias grupais e destruição do conjunto. Quando a solução é de expulsão, a chamada "união resultante" é apenas compressão grupal por asilamento, cheio de fracturas internas. A solução tem assim que conciliar a visão económica com a visão grupal.
Aplicando esta problemática ao actual modelo da Democracia, verifica-se que este ao fragilizar o grupo vai consentir o aparecimento de predadores e também serem considerados como um faits divers normal na vida política. De facto, se o grupo não existe, então por exemplo, promessas eleitorais não cumpridas não são um problema sério, serão apenas queixas individuais sem repercussão.
Assim, socialmente, o não-cumprimento e a arresponsabilidade consideram-se negativos, criticam-se mas consentem-se e tudo se repete a coberto do uso banalizado do "Eu não me lembro", criando um clima de "laisser faire, laissez passer".
Assim, socialmente, o não-cumprimento e a arresponsabilidade consideram-se negativos, criticam-se mas consentem-se e tudo se repete a coberto do uso banalizado do "Eu não me lembro", criando um clima de "laisser faire, laissez passer".
A situação retratada no vídeo é um problema da PT, da Comissão de Inquérito, da Assembleia da República ou, realmente, da Democracia Portuguesa? Estas respostas são imagináveis se questionado pelo "patrão"? Nesta perspectiva, poder-se-á perguntar se um modelo de "laisser faire, laissez passer" terá, ou não, consequências na democracia? Ou será apenas um problema moral ou ético afectando alguns indivíduos?
Em resumo, a "Tragédia dos comuns" é o retrato deste bug da Democracia, não só no seu efeito perverso, como nos efeitos perversos de soluções "lógicas" mas sistemicamente erradas.
Porém, à história dos agricultores falta colocar ainda uma outra questão, referente aos normais multi-papéis sociais que cada indivíduo tem numa sociedade, visto pertencer simultaneamente a vários grupos:
Portanto, a questão é saber se "aqueles agricultores têm mais actividades em comum?"
Portanto, a questão é saber se "aqueles agricultores têm mais actividades em comum?"
Se têm, a sua participação noutros grupos leva consigo a experiência de defraudar nos compromissos assumidos. Assim, qual será a credibilidade e a confiança que existirão nesses grupos em relação a promessas assumidas? Os acordos serão de confiar?
A conclusão a tirar deste discurso de António Costa é que promessas feitas na Democracia podem não ser cumpridas e não terem consequências de maior. Assim, A.C. confirma que esse não-cumprimento é habitual mas que ele vai ser excepção pois não ter críticas. Numa palavra, pode não cumprir mas quer cumprir.
Este caso levanta a questão se a Democracia depende da seriedade do candidato ou de uma estrutura que garanta a confiança do cidadão.
Por exemplo, a polícia não bate nos cidadãos porque é uma polícia "boa" ou porque a Democracia não o consente, por ser ilegal e crime? A segurança do cidadão tem que estar alicerçada na garantia das estruturas democráticas qualquer que seja a área, violência domestica, castigos escolares corporais, abuso de poder, tortura, etc
Repare-se que, paradoxalmente e dentro da Democracia, a situação de cumprir por não querer críticas é impensável no mundo dos negócios. Comprar uma casa com crédito bancário e dizer que pagará porque não quer críticas nem para humor serve, mas serve para um discurso político. As promessas de negócio são para cumprir, não o fazer é um problema de tribunal. Os negócios não funcionam com "laisser faire, laissez passer".
Este caso levanta a questão se a Democracia depende da seriedade do candidato ou de uma estrutura que garanta a confiança do cidadão.
Por exemplo, a polícia não bate nos cidadãos porque é uma polícia "boa" ou porque a Democracia não o consente, por ser ilegal e crime? A segurança do cidadão tem que estar alicerçada na garantia das estruturas democráticas qualquer que seja a área, violência domestica, castigos escolares corporais, abuso de poder, tortura, etc
Repare-se que, paradoxalmente e dentro da Democracia, a situação de cumprir por não querer críticas é impensável no mundo dos negócios. Comprar uma casa com crédito bancário e dizer que pagará porque não quer críticas nem para humor serve, mas serve para um discurso político. As promessas de negócio são para cumprir, não o fazer é um problema de tribunal. Os negócios não funcionam com "laisser faire, laissez passer".
Como resumo-conclusão, quando o problema é grupal tem que haver lucidez para solucionar a estrutura e reforçar a coesão grupal e não apenas, de forma míope, fazer uma solução individual. Os efeitos perversos de "qual será o seguinte?" ficarão donos da situação. O fundamental é tirar os bugs da estrutura.
Nesta perspectiva, existem dois conceitos importantes para apoio, clarificação e construção de soluções, que são a Lei da Situação e a Exteligência.
Em síntese, a Lei da Situação diz que nela há sempre um campo de forças que condiciona, formata e desformata comportamentos. Alterando a situação (consciente ou inconscientemente) a sua lógica altera-se e assim diagnósticos, decisões e acções transformam-se e a mudança positiva ou negativa torna-se presente, realizando-se ou não em função do equilíbrio de forças criado.
A Exteligência é a "inteligência" existente no contexto envolvente com a qual a vida e a sua inteligência inter-agem adaptando-se por modificar, adquirir ou abandonar comportamentos:
Contexto (exteligência) dá inovação (inteligência) |
Por exemplo, indivíduos que guiam carroças, carros ou aviões têm rapidez, precisão e hábitos psicomotores diferentes, sucedendo o mesmo com os grupos pois contextos ameaçadores ou alegres alteram redes de sincronismo e os actos de uma multidão.
Com base nestes dois conceitos, a metodologia a usar é procurar a lógica das forças em jogo na situação (campo de forças), os seus fluxogramas, e definir alterações para que o campo de forças se altere e a lógica seja outra, "exigindo" outra solução. Exemplo:
Um padre pergunta ao bispo se quando reza pode fumar.
O Bispo diz NÃO porque rezar não pode ser perturbado com actos mundanos.
Tempo depois,
O padre pergunta ao bispo se quando fuma pode rezar.
O Bispo diz SIM porque em qualquer acto quotidiano deve-se rezar.
Outro contexto, outra lógica, outra decisão, outro comportamento.
Conclusão
Na democracia, os problemas têm sempre dois níveis:
√ os cidadãos envolvidos, o que é uma questão dos indivíduos;
√ a Lei da Situação em vigor, o que é uma questão da Democracia.
O bug actual resulta da ruptura entre a versão do modelo usado na Democracia que não só está desadaptado como não potencia as actuais condições culturais e tecnológicas. Hoje é possível e desejável aumentar eficácia democrática dos cidadãos e seus grupos de funcionamento, em particular a organização partidária com outros formatos hoje possíveis.
Por muito complexo que seja o problema de um Banco, de um confronto, ou de uma escola, etc, sob o ponto de vista da Democracia, as questões de validação são duas:
- "Como consequência do problema, o que foi alterado na Democracia para que, no futuro, isso não torne a acontecer?"
- "Se nada foi feito porque é que o problema está esquecido na memória democrática? Como se activa essa memória para criar condições de confiança no futuro?"
Continuação...
... ... com o 8º post, continuam as respostas, agora à 3ª pergunta, ou seja, "A sociedade? É rentável? "
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Indice do Blog
(com links para os posts já publicados)
Temporada 1 - Problemas
E a sociedade?
Alternativas pós-tradição
No princípio era o caos
A viragem da civilização
Fugindo da estupidez organizacional
A evolução aos "éssses
Temporada 2 - Soluções?
Não guiar pelo espelho retrovisor
Morreu o consensus, viva o dissensus
A técnica do Jazz e o dissensus
E assim, co-labora ou morre
E por fim, a democracia da cumplicidade
Aqui no futuro?
O 1º sonho
Video resumo: Nova Democracia
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